This is a Portuguese translation of The Perfect Mango
O abuso sexual e o abuso de todos os tipos despedaçam o corpo. Fendem a experiência num antes e depois. Em meu caso, no entanto, o tempo foi muito mais tortuoso. O que é uma experiência que te leva com ela? Como falar de atos que multiplicam, de modos de vida que parecem causar tais atos? Como falar de uma vida pronta para se revelar?
~ Erin Manning, Prefácio, A Manga Perfeita
A Manga Perfeita é um livro sobre o corpo, sobre aprender a vê-lo como uma entidade que não tem fim, algo que nunca é permanentemente marcado pela violência da história, que pode nadar para dentro de uma nova pele. O trauma sexual que assombra este livro está sendo pintado e expurgado em suas páginas, e a jovem mulher que se recusa a permanecer presa na captura do trauma também está aprendendo a se alimentar, a se tornar um corpo-ser que irá perdurar em novas formas e através de novas formas de criação mútua. Eu conheço essa garota, porque ela é muitas. Eu amo essa garota, como amo todos nós – os desajustados cujo sofrimento nos provoca a viver através de outros estilos e modos de nos-tornarmos-juntos.
~ Julietta Singh, Posfácio, A Manga Perfeita
Em 1994, aos vinte e cinco anos de idade, quando o terrível “despedaçamento que vem com a agressão sexual” dobrou-se profundamente em seu corpo e pensamentos de suicídio estavam sempre por perto, Erin Manning escreveu A Manga Perfeita num estado quase febril: dezenove capítulos em dezenove dias, uma espécie de operação de auto-resgate, onde a escrita tornou-se uma maneira de fazer (e sentir) a vida de outra forma. Ao longo desses dezenove dias, e embora não capaz de articular completamente para si mesma na época, Manning escreveu-se para dentro “de uma composição que pergunta de que outra forma a vida poderia ser vivida”. E nos ritmos dessa composição, que era também uma vida, Manning foi e é capaz de recusar a categoria e norma e imobilidade da “vítima” (enquanto ainda compreende as heranças da violência) a fim de seguir em vez disso o mais-que-eu assim como a alegria do “mais-que da experiência no fazer”.
Vinte e cinco anos depois, Manning permite que esses escritos anteriores encontrem seu caminho de volta ao mundo, o que é uma maneira de dar “voz a esses momentos de sobrevivência confusos” enquanto também pede a nós, que compartilhamos (e ajudamos a suportar) tais momentos enquanto leitores, que consideremos “outras formas de escutar a urgência que é viver”. Republicar o livro agora é dar-lhe um lugar no mundo de uma maneira que honre sua força como algo que está sempre além da reivindicação de qualquer um, mesmo de Manning. Nesse sentido, A Manga Perfeita nos convida, com Manning, a estar em excesso de nós mesmos, e também a considerarmos, nas palavras de Manning, “como criar condições para viver além da crença feroz do humanismo de que nós, os privilegiados, os neurotípicos, os ainda incólumes, os corpos-capazes, é que guardamos a chave para todas as perspectivas no teatro da vida”. Por fim, A Manga Perfeita e as reflexões de Manning a respeito de sua composição pedem que consideremos “viver na feroz celebração de um mundo inventado por esses modos de vida que rasgam o tecido colonial, branco, neurotípico da vida como a conhecemos.”